sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

de Novna para Jiveli










Uma montanha na Croácia, 22 de Abril de 2010.

Minha querida,

O outono começou aqui na montanha e faz um frio de inverno há dois dias. Acabei de jantar aquela receita de beringelas eslavas que fazíamos quando chovia e eu matava aula no colégio. A rua está silenciosa e há um tempo enorme passando por aqui agora mesmo. Enquanto te escrevo meu coração bate, uma árvore cai, um casal terá um bebê, a fotografia de uma tragédia revolta, uma poesia salva, o vizinho chega irritado, o metrô está lotado, um muro cai, tropas obedecem ordens de ataque, o despertador toca, alguém se salva, alguém faz super-mercado, alguém não faz super-mercado, eu não escuto o telefonema que estava esperando desde ontem, alguém se perde, a menina que ele gosta volta de viagem, alguém faz mais um amigo no facebook, alguém busca, alguém encontra, alguém encontra de verdade. A Lua, que não está mais cheia, ainda ilumina a minha pele e eu olho os castiçais acesos e lembro de nós. Meus dias não tem sido tão fáceis como a gente gostaria que fossem aos vinte e poucos anos. Quando tudo fica insuportável, confesso que dou uma escapulida do que estou fazendo e compro aqueles biscoitinhos de chocolate belga em forma de coração. É uma tentativa de lembrar que tudo sempre pode ser assim, doce como um chocolate belga e vivo como um coração. Ontem antes de dormir, me olhei por um tempo naquele espelho rosado que era da vovó. Nessas incoerências e imperfeições  que chamam de cotidiano, minha imagem ali refletida e eu no meu contínuo exercicio de ser destemida de mim. A estação mudou e o outono me parece propício para deixar ir embora o que não me pertence mais. Outro dia meu horóscopo dizia que a escolha mas sábia talvez seja aquela em que decidimos o que queremos perder. Na hora não entendi muito. Ontem pensei que seria bom plantar algumas mudas na minha janela, aquela vermelha da sala. A casa ficaria mais colorida e talvez me ajudasse a compreender mais os ciclos, os inícios e as despedidas. Quero sempre estar assim, leve como uma casa com jardim, radiante como uma manjericão fresco que acaba de brotar. Hoje, lhe escrevo para pedir desculpas pelos meus choros desesperados, antes que você fale que minhas desculpas não são necessárias, me precipito em dizer que peço desculpas por uma necessidade quase egoísta de me redimir comigo mesma. Talvez, essa necessidade, de auto–redenção seja o primeiro passo para uma real transformação. Quando a coisa se torna impossivel, intolerável para nós mesmos, é quando começo a vislumbrar que tudo já  está mudando. Sim, eu estou mudando.Peço desculpas pela minha confusão diária, por querer dar conta de tudo, por não me posicionar com medo de perder, por de vez em quando sorrir em público o que não sorriria sozinha no meu quarto, pelo minha insegurança escondida nas danças em festas que eu nem queria estar. Tenho pensado muito no agora e de como ele sempre é e já não é mais. Não sei  se foi  depois que  me despedi daquele moço ou se foi quando comecei a olhar mais o mar, que vi o quanto mantinha as coisas pelo prazer,pela distração e por achar que ainda sou jovem o suficiente para dar espaço para as coisas insuficientes.E agora não. Não quero mais depositar nenhuma energia em algo que seja irrelevante.Não faço mais questão de distração para acobertar a raiz da coisa em si. Em qualquer lugar em que você me encontrar agora eu estarei investindo. Pode ser uma situação, alguém, um lugar, ou mesmo a planta do meu novo jardim. Não estou em mais nada por estar. Quero ser minha guia, minha auto-estrada, ser decisão diante de qualquer bifurcação. Estou colocando todos meus movimentos em conexão, chega desse pique-esconde dos meus reais desejos. Vamos brincar de outra coisa? Hoje para mim também é ano novo. Me olho mais uma vez  no espelho rosado da vovó e afinal o que quero é mesmo intenso?É desejo profundo? Vem do meu centro? Cadê minha bússola pessoal? Me desfaço de todos esses traços que me trazem atrasos. Morro e crio espaço.Fica o necessário.Hoje libero da minha essência mais escondida a coragem de enxergar.Tenho urgência de ser inteiramente o que sou. Quero percorrer essa larga estrada que se apresenta, encontrar com o outro, realizar o outro, realizar a mim como outra. É pela diferença talvez que nos tornamos tão parecidos, não é mesmo? E quando alguém revela o que sente lá no fundo, meu coração pisca, me comunico, eu também sinto e sinto tanto. O que nos une? É nesse território que quero passear.Um pouco antes de te escrever, fiz uma lista lista de tarefas diárias, vê só.

-reinventar alguma coisa.
- improvisar um jantar.
- achar alguma solução dentro de mim e botar pra fora.
- reorientar o meu olhar sobre tudo.
- brincar com a minha exclusividade
- produzir um pequeno milagre.
- dizer o que eu penso com objetividade e delicadeza.
- arrumar o armário
- comer menos chocolate e descer menos na padaria para comprar inutilezas.
- remarcar a conversa com a amiga que me machucou.
- quebrar uma casquinha de iogurte congelado.
- nunca mais finjir que não vi.
- ir num lugar na minha cidade que nunca tenha ido.

Pode ser besteira, mas toda vez que eu abrir a porta da minha geladeira, lugar estratégico  já que faço isso mil vezes ao dia, vou lembrar de cuidar de mim e do mundo. Te amo tá? E sinto saudades todos os dias. Confia em mim. Tudo isso que nos distancia vai passar.Eu tenho um sorriso e tenho  coragem. Quando você voltar, o jardim da minha janela vermelha já vai estar crescendo, provavelmente será início da Primavera e se ainda não for a gente inventa. A gente sabe fazer isso bem. Antes de terminar minha carta, fecha os olhos e lembra de quando eu era bem pequenininha e dançávamos com os vagalumes como se estivéssemos no céu. Tenho feito isso todas as noites antes de dormir. Me ajuda a estar com você. Prometo que não vou mais chorar assim. Sabe de uma coisa? O tempo não é o limite. O espaço não é o limite. O que a mente crê. As asas fazem.


Um beijo
sua filha
Novna
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