segunda-feira, 5 de novembro de 2012

maria das flores

Ela sonhava com raiz, firme, forte, tronco na terra fértil. nunca  tinha tido sonhos com vôo. Pesadelos recorrentes também não, pequenos gemidos durante a noite, acontecia. Numa outra época comunicava- se durante o sono, frases perdidas, concordâncias nonsense. Acreditava que era muito amor. Fazia 2 anos que não sofria demais. dois anos que se deu um ultimato. dois anos que morava longe. dois anos que mudara a ação cotidiana. objetivo de vida: segurança. pergunta recorrente antes de acordar: e há segurança nessas coisas tão desejadas? queria o clichê do sono em paz, a tranquilidade de uma árvore em primavera. e o perfume cítrico dessa estação. acreditava firme e forte em infinito. um dia quase morreu mas foi bem no dia seguinte que entendeu tanta coisa, que se sentiu mais feliz. e foi bem mais feliz mesmo, depois, logo em seguida. pertinho. teve um dia também que recebeu um recado: é preciso que seja manso(a) por dentro e um leão(leoa) por fora. para ela isso mesmo é que era "gente". teve um dia também que ela sentiu certeza pela primeira vez. deu um alívio. ela era jovem, tinha tanta coisa para conquistar. "a gente acredita tanto em você" ouvia. acordou fraca outra manhã. quando tinha medo sonhava com a praia e a morte que quase havia naquele dia. tinha receio do mar,muito, gostava mesmo é de água doce e de correnteza retilínea. no dia em que saiu da casa antiga é porque todos dormiam, e ela não conseguia. teve asma sem nem saber o que era isso. faltou tanto a respiração que abriu a porta e foi, foi mesmo.muito difícil,  o maior passo que ela já havia dado. quando precisava de força lembrava disso. tinha jeito não, norte: cada um sabe a dor que suporta. era preciso saber quais não eram suas.  desistiu do colo, do choro abafado. sempre desiste do que a impede. tudo na marra e com um pouco de caramelo. sente saudades? tanta. nem todas noites são macias. chuva leve e pele com cheiro de alfazema. poça d'água lembrava infância e férias de verão.adorava  pão caseiro e amor de familia. ah, a vida é tão gostosa, pensa. esse vento na janela, o silêncio da noite. a possibilidade, debussy, uma sinfônia que gostava de Bethoven, um piano longínquo e agora lá no fundo um choro de um bebê qualquer. tão novo por aqui. ser feliz é escolha que vem da gente. ufa. na roça era tudo simples, achava bonito o tempo que as coisas aconteciam lá. tinha receio das perguntas emudecidas e dos astros que cismam em dizer coisas que não acontecem.adorava surpresas e roteiro descabido. adorava o seu roteiro descabido. paixão por tudo que chega com força e te tira do prumo habitual. a gente não é obrigado a seguir o mesmo caminho. sofrer não pode ser opção nunca. consistência e constância. da natureza das palavras trava língua e abre vida. calor. amanhã havia de ser. a porta estava aberta 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

27 anos

nem tarot. nem búzios. nem os astros. nem quiromancia. nem vidente. nem o destino sabe dele mesmo. o coração indica.

ou

o que o destino não sabe. o coração indica.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

,

 


quero te dar um espeto para fincar meu desejo como horta. quero água para regar. te dar um beijo. corpo inteiro. mostrar meu relevo e tudo que habita na raiz. quero o tanto. construir um castelo de purpurina multicolorida. quero  carnaval com você. bloco e avenida. botar uma pedra em cima de tudo que nem mais importa e andar. quero seu lado esquerdo. direito. te dar meu peito. dois filhos ou filho nenhum. não importa. quero o que é agora. uma viagem para a Croácia, Itália ou só a casa construída. um quadro na parede ou uma janela além lá. a promessa cumprida. ventre. a vida. a vida. quero vento. champagne. show de rock. o esqueleto. aquele nosso primeiro dia. uma paeja ou um vatapá. quero a musica desconhecida. um gole. o medo na porta de fora. o silêncio. o tempo baiano. o choro que é bom e  que alivia. frio. quero o portão aberto. quero amar ainda. a areia que poderia ter guardado. a rede que um dia terei na sala. o infinito que mora aqui. a certeza que. quero agarrar tudo que soa para sempre. a crença. a reza. o barulho que faz. o vício. o Lou Reed. Mick Jagger. Roberto Carlos. Tom Jobim. brincar com esse tempo sem fim. quero a brecha. a porta. correr o risco. a vida toda. o azul. o pulmão descontraído. a pele exposta. mar aberto. o imenso. o que explode. insiste e habita, 

No primeiro olhar, no primeiro encontro, na primeira descida daquela escada ela o viu. E sabia que. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Hoje


geada em mauá. chuva no rio. chá de capim limão no fogão. vinho na mesinha da sala. alecrim. coração em sorrisos. uma música muito boa. um pouco mais de chuva. um telefonema. o quarto mais amplo. a vida não é tão rápida assim, ufa. a melhor escolha que há. feita. há. um telefonema. um beijo enviado. muito frio lá fora. a festa que se prepara. o fogo. a cama coberta. a casa quente. o botão daquela flor.o coração de novo. ah, o coração.

terça-feira, 10 de julho de 2012

na mente. na barriga. no dedão do pé. sim, no dedão do pé. 
extrapola o lado esquerdo do peito.explode.pá. ocupa.
mãos, pescoço, orelha,na massa que está na panela, no verde da janela, bem aqui.oh, aqui.
dá um frio, um calor, um sei lá o que.
estômago, pulmão, língua e olhos amora.
é verão de 5 em 5 minutos.
agarra, tateia, conduz, empurra, induz, devora. 
ópera. sinfonia. rock n roll.
água fervendo. esquece o resto. tudo que é memória não é mais. 

agora é o que vale. agora que é. tanto.
das coisas que mais penso bem perto: isso é felicidade.
junto é céu azul. universo em expansão. não cabe. 
bem mais. é o que vem.
um lugar. existe? estamos indo. 
existe pela primeira vez. 
assume o máximo de ser.
devora. explode e vai além do que.

terça-feira, 26 de junho de 2012



querer exige calma. querer muito exige das tripas. querer pouco não é suficiente. querer pouco não exige nada. ter certeza é redenção. ter certeza é liberdade.


                "É infinito o que podemos tentar. É essa também a beleza do mundo" Pina


              






sexta-feira, 18 de maio de 2012

zoom in


o cobertor de escanteio
só para sentir o frio
buscar a perna
quente
e a boca
mais
tudo por inteiro
e tão
e tanto
um disco na vitrola
um vinho mais gelado que lá fora
e a varanda que mais parece um jardim secreto
no muro da rua abaixo um escrito
descascado
uma memória silenciada
a dor já foi 
não volta, meu bem, 
não volta não
ah, saber cuidar das plantas é bom sinal do coração 
é escolher caminho com tempo bom
seu corpo amanhecido
pão quentinho no abraço entrelaçado
nos meus olhos
o rímel que esqueci de tirar
tudo que eu sinto
também está
o moço lá fora veste um manteau parisiense 
atravessa a esquina e
talvez peça  um whisky para esquentar
nos meus olhos faz sol
aqui é verão
e em você

amor, 
Amor é a melhor lã 

sábado, 5 de maio de 2012



natureza calma. água em ebulição.tudo muito quente.intimidade com gosto de suco de uva.frio só lá fora.infância compartilhada.coxas quentes.paredes ainda frágeis. pele rabiscada.boca dada.peito exposto.vício.coração, carne, cogumelos, chocolate e tudo que sacia.casa antiga que não diz mais. uma vista para o azul. é bonito tudo e de vez e quando um pouco triste. mais do que muito bom. sempre. sol forte já quando ele nasce. honey. língua. aquele vinho de amoras do dia anterior. olhos tapados e uma fenda. espaço.um fenda que dá em outro lugar.além aqui.muito além lá.


No guardanapo: 

Até hoje tudo tem sido mais inteligente do que nosso próprio controle.
Querido, 
é vida, 
e acontece
,

segunda-feira, 2 de abril de 2012



acorda e vê que tudo tem menos interrogação. o retorno. a saída. pensamento que frequenta a casa vazia. eu e você.


cuidado.
as paredes trazem boas respostas. 




quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Daqui a cinco minutos ela deixará de amar de você



Pensou em fazer um discurso amoroso com todas suas inquietações fragmentadas. Nunca falara o que importava porque ainda não tinha se dado conta do que realmente importava naquele encontro. Enquanto se mantivesse nublada (e ela perguntava se manter-se nublada já não era uma própria escolha involuntária) as palavras continuariam sem coerência e falhas – palavras em algum momento não são falhas? Falhas e pretenciosas, achando que dão conta. Onde andava a amizade costumeira dessas palavrinhas, sempre tão aguçadas e fiéis a tudo que berrava dentro daquela moça de cabelos muito compridos e cada vez mais pouco claros, aquela moça que virava sempre a esquina, depois do meio dia, pensando na frase ideal para escapulir e  trazer solução à sua agonia latente. Na rua perto de sua casa um muro e a frase, com letras tortas e semi-apagadas: “E o amor afinal é uma escolha?". Entrava num vácuo ao pensar em quantos mantinham uma adolescência tardia e desenfreada para justificar a permanência daquilo que não conseguiam transformar somada à ilusória manutenção do slogan “quanto mais me querem mais acredito que existo”. Os encontros estão fragmentados, pensava ela, ainda sem dobrar aquela esquina, ainda sem  ter os cabelos completamente escuros e ainda sem chegar à pergunta alguma. Aquilo que era preciso ser dito era regurgitado há dias e agora nem mesmo o seu desejo era claro e isso a apavorava secretamente, porque sem desejos claros deixaria a si própria à mercê, à mercê dos desejos do outro. E afinal? Como se diz algo sério, muito sério e verdadeiro, quando não se sabe nem ao menos onde se quer chegar com essa seriedade toda que ensaia escapulir? A seriedade não trazia urgência. "Toda urgência é imprudente" dizia um psicanalista na revista jogada sobre a mesa da sala num domingo não tão qualquer. Talvez, essa fosse a razão da sua falta de um discurso amoroso. Talvez, não tivesse nada a dizer, e também talvez  achasse inútil querer dizer algo sobre aquilo. “Ainda querer dizer algo sobre aquilo” seria sempre apenas uma tentativa de salvação, uma deixa na busca para ouvir do outro “não há de ser mais assim”, acreditar nessa oração seria uma invenção que permitiria que ela continuasse ali, presente numa história desconfiada. Toda semana dava a última chance a esse desejo de tudo mudar e mantinha-se observadora dessa história enquanto a achava cada vez mais uma história banal (e por um instante ela se perguntava: o que não corresponde aos nossos ideais se torna automaticamente banal?) ah, como ela arranjava perguntas que a auxiliavam na manutenção dessa farsa. Afinal manter-se numa história irremediável, como se tudo um dia  pudesse corresponder às suas expectativas não seria uma farsa permitida? E justamente ela que discursava com maestria sobre encontros, construção e falta de conexão entre o que é banal e o que é um encontro. No exato instante da despedida, ela ouviria Just in time com a Nina Simone e sobreviveria, imune. Nina Simone lembrava força. Ela pensava que fazer um discurso amoroso seria a morte da liberdade que reside nesse "fingir que nada se vê" para continuar tornando-se possível e adaptada àquela situação- e desde quando manter-se cega ou adaptada é liberdade? Olhava-se por um tempo pela janela embaçada e flagrou-se usando a palavra amoroso. Depois lembrou da amiga tão doce, sentada no sofá da varanda dizendo-lhe que ela era uma pessoa tão amorosa e cuidadosa com o outro e porque andava procurando situações onde não podia ser assim.  Ela tinha mania de pensar em discursos sobre os fins. As maneiras mais belas de se dizer não, de se dizer adeus, de dizer que acabou, que sim aquilo é um fim, mas que também é bonito como um começo- porque essa mania da tristeza ser pesada, aliás já reparou como as cores ficam lindas quando a gente está triste? Sempre pensara assim: em vez de falar acabou, ficaria tão mais bonito se dissesse: Hoje quando acordei e te vi tomando café perto da janela, o sol pouco forte, olhei para suas mãos segurando o jornal, olhei pra mim e percebi que tinha acabado. Nosso amor acabou hoje ao meio dia e a gente continua acordando tarde acreditando que nossos sonhos baterão bem na nossa porta. O meio dia a partir de agora não existirá. Depois ria de si e autenticava sua cafonice. Amava ser cafona. Ah, se voce for embora por favor não vá. Era uma letra de uma música que tinha vontade de gritar, se aquele amor fosse o maior amor do mundo. Mas não era e nunca tinha sido.Valia a pena ir embora. E valia a pena de ir embora.
Ali esta a esquina, a sua inquietação e a pergunta não escapulida. Há tempo ainda de não ser. Faltam cinco minutos para ela deixar de gostar de você. A esquina está ali na frente e ela dobrará como se não houvesse mais perguntas sobre o irremediável.  A cura não são os outros, pensava enquanto escapa com vida, ilesa. "eu acredito em nunca mais", pensava mais uma vez antes de. Dobrou a esquina e deixou um recado escrito no papel de pão francês: “Faltam 5 minutos para ela deixar de amar você”.




 
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