quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Daqui a cinco minutos ela deixará de amar de você



Pensou em fazer um discurso amoroso com todas suas inquietações fragmentadas. Nunca falara o que importava porque ainda não tinha se dado conta do que realmente importava naquele encontro. Enquanto se mantivesse nublada (e ela perguntava se manter-se nublada já não era uma própria escolha involuntária) as palavras continuariam sem coerência e falhas – palavras em algum momento não são falhas? Falhas e pretenciosas, achando que dão conta. Onde andava a amizade costumeira dessas palavrinhas, sempre tão aguçadas e fiéis a tudo que berrava dentro daquela moça de cabelos muito compridos e cada vez mais pouco claros, aquela moça que virava sempre a esquina, depois do meio dia, pensando na frase ideal para escapulir e  trazer solução à sua agonia latente. Na rua perto de sua casa um muro e a frase, com letras tortas e semi-apagadas: “E o amor afinal é uma escolha?". Entrava num vácuo ao pensar em quantos mantinham uma adolescência tardia e desenfreada para justificar a permanência daquilo que não conseguiam transformar somada à ilusória manutenção do slogan “quanto mais me querem mais acredito que existo”. Os encontros estão fragmentados, pensava ela, ainda sem dobrar aquela esquina, ainda sem  ter os cabelos completamente escuros e ainda sem chegar à pergunta alguma. Aquilo que era preciso ser dito era regurgitado há dias e agora nem mesmo o seu desejo era claro e isso a apavorava secretamente, porque sem desejos claros deixaria a si própria à mercê, à mercê dos desejos do outro. E afinal? Como se diz algo sério, muito sério e verdadeiro, quando não se sabe nem ao menos onde se quer chegar com essa seriedade toda que ensaia escapulir? A seriedade não trazia urgência. "Toda urgência é imprudente" dizia um psicanalista na revista jogada sobre a mesa da sala num domingo não tão qualquer. Talvez, essa fosse a razão da sua falta de um discurso amoroso. Talvez, não tivesse nada a dizer, e também talvez  achasse inútil querer dizer algo sobre aquilo. “Ainda querer dizer algo sobre aquilo” seria sempre apenas uma tentativa de salvação, uma deixa na busca para ouvir do outro “não há de ser mais assim”, acreditar nessa oração seria uma invenção que permitiria que ela continuasse ali, presente numa história desconfiada. Toda semana dava a última chance a esse desejo de tudo mudar e mantinha-se observadora dessa história enquanto a achava cada vez mais uma história banal (e por um instante ela se perguntava: o que não corresponde aos nossos ideais se torna automaticamente banal?) ah, como ela arranjava perguntas que a auxiliavam na manutenção dessa farsa. Afinal manter-se numa história irremediável, como se tudo um dia  pudesse corresponder às suas expectativas não seria uma farsa permitida? E justamente ela que discursava com maestria sobre encontros, construção e falta de conexão entre o que é banal e o que é um encontro. No exato instante da despedida, ela ouviria Just in time com a Nina Simone e sobreviveria, imune. Nina Simone lembrava força. Ela pensava que fazer um discurso amoroso seria a morte da liberdade que reside nesse "fingir que nada se vê" para continuar tornando-se possível e adaptada àquela situação- e desde quando manter-se cega ou adaptada é liberdade? Olhava-se por um tempo pela janela embaçada e flagrou-se usando a palavra amoroso. Depois lembrou da amiga tão doce, sentada no sofá da varanda dizendo-lhe que ela era uma pessoa tão amorosa e cuidadosa com o outro e porque andava procurando situações onde não podia ser assim.  Ela tinha mania de pensar em discursos sobre os fins. As maneiras mais belas de se dizer não, de se dizer adeus, de dizer que acabou, que sim aquilo é um fim, mas que também é bonito como um começo- porque essa mania da tristeza ser pesada, aliás já reparou como as cores ficam lindas quando a gente está triste? Sempre pensara assim: em vez de falar acabou, ficaria tão mais bonito se dissesse: Hoje quando acordei e te vi tomando café perto da janela, o sol pouco forte, olhei para suas mãos segurando o jornal, olhei pra mim e percebi que tinha acabado. Nosso amor acabou hoje ao meio dia e a gente continua acordando tarde acreditando que nossos sonhos baterão bem na nossa porta. O meio dia a partir de agora não existirá. Depois ria de si e autenticava sua cafonice. Amava ser cafona. Ah, se voce for embora por favor não vá. Era uma letra de uma música que tinha vontade de gritar, se aquele amor fosse o maior amor do mundo. Mas não era e nunca tinha sido.Valia a pena ir embora. E valia a pena de ir embora.
Ali esta a esquina, a sua inquietação e a pergunta não escapulida. Há tempo ainda de não ser. Faltam cinco minutos para ela deixar de gostar de você. A esquina está ali na frente e ela dobrará como se não houvesse mais perguntas sobre o irremediável.  A cura não são os outros, pensava enquanto escapa com vida, ilesa. "eu acredito em nunca mais", pensava mais uma vez antes de. Dobrou a esquina e deixou um recado escrito no papel de pão francês: “Faltam 5 minutos para ela deixar de amar você”.




 
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