segunda-feira, 29 de novembro de 2010

a estrangeira de camisa branca ou dubrovnik é uma terra branca

o tempo esgarçado por ali. a moça estrangeira dorme. dorme de bruços, com uma camisa quente e branca, na esperança subliminar de apaziguar os sentimentos mais intensos que a abatem. sim, ela está abatida, tem olheiras fundas e pouca cor de sol, desde que teve que desviar da placa SIGA para a RECOMECE. sabe que é temporário, mais uma dessas questões onde o tempo se apresenta como o único fiel escudeiro, e afinal, como tudo na vida é mesmo temporário e  passageiro, recomeçar nem soa tão estranho assim. ela também conhece o  ditado oriental que diz mais ou menos a mesma coisa de quando contam com voz mansa e incentivadora, que um leão antes de saltar dá três passos para trás. nunca conferiu essa informação , nunca viu isso nos programas do discovery , mas sempre optou por esta crença , afinal dá-se mesmo muitos passos para trás ao longo de qualquer jornada ou mesmo durante o dia. 
a camisa quente serve para abraçar o corpo que grita escandalosamente pedindo qualquer coisa diferente de tudo que anda se apresentando nesse agora. sempre acreditou que um banho quente acorda com mais carinho  do que um banho de água fria. carinho para ela é fundamental , premissa básica para acordar de verdade. talvez por isso goste tanto de fazer amor pela manhã. outro dia conheceu um moço de olhos verdes ( ou eram azuis?  quando ela fecha os olhos para lembrar, não tem a certeza exata da cor - e  aproveitando o parênteses aberto - certeza tem exatidão? ) que tem o raciocínio sem pontuação que nem o dela. ele não usa vírgulas, pontos finais, é tudo em disparada, no máximo com uma interrogação, não muito firme, que até perde o posto de interrogação. é mais uma construção no final da frase, sugerindo uma interação com o interlocutor, do tipo :"é isso, compreende? "
aliás era aí também que eles se encontravam , a semi interrogação dominava o universo de ambos.  eram um conjunto de interrogações. ela poderia se apaixonar por ele mas não, não se apaixonou. sempre que o encontrava achava que isso poderia estar prestes a acontecer, mas não acontecia nunca e não aconteceria jamais, ela também sabia disso. ela vivia a beira. a beira de. e para  confortar-se, preferia isso do que estar à deriva.
talvez fosse justamente por estar com o coração vazio  que ela também dormia com uma camisa quente, ou para lembrar que podia voltar a gostar de alguém com uma intensidade nunca experimentada. por enquanto alguém ainda dormia na sua cama , por mais que eles não fossem mais  verdadeiramente um casal. outro dia subindo a escada rolante se flagrou pensando no desejo que tinha , lá pelos 20 e poucos anos, quando descobriu ser a outra do moço com quem andava namorando. sua maior vontade era que ele passasse um dia inteirinho conhecendo seu quarto, e mais precisamente sua escrivaninha. queria abandona-lo lá, a mercê daquele mundo de pequenos papéis, direcionando-se pela própria curiosidade, esmiuçando todas as pequenas coisas daquela moça estrangeira, suas delicadezas, vestígios, esconderijos, pequenos tesouros  não expostos nas caixas que ocupavam metade do tampo de vidro. alimentava secretamente que ele a descobrisse assim, como um antropólogo de detalhes subliminares . acreditava nitidamente que só assim - só assim gostava de repetir- quando eles fizessem amor novamente, ele estaria mesmo com ela, no mais alto grau de entrega e intimidade. isso nunca aconteceu. aquele homem era casado e o quarto estrangeiro não comportava alguém metade inteiro. hoje o homem que dorme em sua cama não é ainda o homem que saberá sua entrelinhas.  não basta abrir as caixas e vasculhar papéis, é preciso enxergar o entre, o excesso que mora nos espaços vazios. o quarto que ela está é grande,branco, a janela de vidro está embaçada e esconde a vista para uma floresta verde, que não aparece, mas está ali, e muito verde. seu pensamento continua desviado,  refletia sobre o esgarçamento do tempo diante das suas crises que pediam urgência e foi desaguar nos pensamentos afetivos - pensamentos tolos e subitamente essenciais para fazê-la levantar, tomar seu café e seguir na estrada do recomeço. a placa está sem instrução, ela pega o giz,  branco  assim como sua camisa quente e seu coração calmo e caminha em linha reta-----------------------------------é certo que

há vida nos espaços abertos.

foto de felipe felizardo

terça-feira, 16 de novembro de 2010

dever de casa



a tarefa árdua desse vácuo pré criação
a covardia que insistia
e o instante ali,
condensado em dias
precisava desatar o nó
mas agora preferia maracujina
queria que essa tarefa pudesse ser em grupo
como nos tempos de colégio
até aceitaria ser a líder
"mas digita para mim?
minhas letras estão garranchadas" 
ela anda tão rascunho de si
não reconhece seu reflexo
seus olhos estão convexos
quer água fresca
e a resposta imediata
coerência exige algum nexo?
ela segue por ali
tentando entender o caminho para ficar perto de si
mas afinal caminho é para ser entendido?
lembra de odisséia, sertão veredas, livro dos prazeres

(respira)

(ouve seus batimentos cardíacos)

(alívio)

viver andava sem conjugação
olha a vista da janela
que amanhã nunca mais será a janela vista
o peito desafia
entender por enquanto é verbo sem primeira pessoa




Lençol


e de repente somos há 15 anos
e ali, 
de vez em quando
acabamos de nos conhecer
os primeiros instantes
a despedida
e o por toda uma vida
ali,
a cama dividida
a crise compartilhada
o olhar ambíguo
a dúvida que assola todas as certeza
-onde vai dar tudo isso?-
ser implica em ter alguém que é você também 

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ritmo de acordeon antigo

eu quero é que você me leve
e eu me jogue
e depois a gente vê

eu quero que você se entregue
e eu me apegue
e depois a gente sê

eu quero que você me olhe
e eu me espelhe
e depois a gente crê
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