Ela está ali.Fica por um instante imóvel,estática. Instante esse que parece durar mais do que o sono que tinha dormido na noite anterior. Caminha até a sala. Vai em direção a geladeira,na cozinha apertada quase dentro da sala, de onde ela ainda vê a janela. Abre a porta daquele refrigerador vermelho gelado. Come queijo, desejando saciar a vontade de comer o resto de pavê que tinha no congelador. Senta-se no sofá. Disfarça a gula não preenchida e procura não ficar muito confortável pra não adormecer. Um frio estranho na espinha. Quer fazer algo. Quer tanto fazer. E o tempo ali parado. Inquieta-se. Rapidamente passa a consultar sua agenda mental, pensando em quem poderia ligar e combinar um programa de começo de noite.Tinha suas preferências, é claro. Preferiu não ceder à escolha ou ao pretenso desejo que despontava. Opta em esperar. Uma ligação quem sabe? Não tinha força pra ser mais do que já estava ali sendo. Ângela vê-se ali, novamente, vivendo um instante similar as 24hs mal dormidas. Já cogitou sim ir caminhar em direção ao arpoador com um cachecol e se deitar nas pedras sentindo a brisa, fria. Vetou a vontade. Perda de tempo. Hora de fazer algo útil. Produtivo. E o que poderia fazer? Não se lembra mais. Espera o tempo andar. E o presente ficando mofado. Quer que seja rápido. Agora deseja, e deseja ardentemente, o fim do dia para acordar novamente em outro. Quer o escuro. Vida em sonho, corpo desarmado. Quem sabe surgiria alguma coisa amanhã? É bastante possível até abrir a geladeira e alguém ter comido o pavê, o qual ela relutava em ceder.
O telefone poderia tocar , ela podia cantarolar uma música qualquer, ter vontade de varrer a casa como quem faz faxina na própria vida , pra se auto-convencer. Ou não, ou o telefone simplesmente tocaria mas Ângela já estaria de saída para beber um coco gelado no calçadão.
Esperou.
Amanheceu.
Amanheceu hoje.
Amanheceu ontem.
Amanhece todo dia.
E tantos outros novos dias.
Ela aproveitava pra olhar a vista do quarto e por um segundo sentia que poderia ser feliz se houvesse mudanças.
Debruçou-se na janela. As árvores multi-esverdeadas não tinham mais folhas. A tarde já não era mais fria.Também,vento, não tinha mais. O telefone começava agora com outro número.
Ângela está ali na janela. Não cedeu ao pavê frio no congelador. Ângela permanece. Ela é a mesma? Um segundo que não passou (será que o tempo realmente passa?). Instantes em fuga no viaduto próximo daquela casa. Tudo isso é vida condensada? Sonho ou realidade. Os olhos piscam, escuro e claro, ciclo vida-morte-vida alimentando toda a humanidade. Ângela está ali, parada.
4 comentários:
Conheci bem esse "estado ângela" de ser...se não controlamos, ou mudamos o mundo ou... en-lou-que-ce-mos!
beijos!
Viva Ângela
amo-nos!
Li seu texto...é sse o sentimento!
O que passou que era sólido como gelo seco...ou naftalina...e se evaporam, somem no ar.Gelo e naftalina...passado e isenção de calor...
Escrevi umas coisas que acho q são pra vc...escrevi e pensei em vc lendo.
Beiju!
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