domingo, 22 de agosto de 2010

sobre a chegada de Novna a Dubrovnik


Novna é amiga da Jadranka, mas ainda não sabe.
Ela também ainda não sabe se existe destino mas decisão, isso sim, ela diz que existe. 
É por essa razão, combinada ao excesso de sua existência, que ela acaba de se instalar em Dubrovnik. 
Chegou esta manhã, recebida por um gentil marinheiro que vestia , exepcionalmente naquele instante ,vermelho , vermelho escarlate.
Com suas malas ainda desarrumadas, no quarto alugado de uma turca detalhista, sente-se especialmente bonita  trajando um vestido quase cor de pele,  fiel escudeiro durante toda viagem até aqui.
Novna está com um lenço fúcsia , marcado quase invisivelmente por manchas do vinho tinto que toma todos os dias quando escurece. Seu pescoço também tem manchas, imperceptíveis. É porque toda vez que precisa expressar suas  idéias,  ela o  acaricia num movimento de vai e vem .
A garganta de Novna é sua parte mais quente e talvez a mais erótica,   por isso costuma filmá-la experimentalmente em sépia , explorando quadros angulosos e abstratos. 
Alimenta , secretamente , o desejo de enviar seus filmes para Chantal e também para Spielberg, mas não sabe explicar bem o porque deste último. Talvez seja porque E.T foi o primeiro filme que a levou a experimentar Coca Cola com cigarro - um trago e um gole-  e a amar com agressão. Agressão para Novna é o auge da expressão.
Ontem, depois de um filme assistido pela nona vez,  despediu-se dela mesma as duas e meia da manhã.
As duas e meia da manhã ainda estava deitada na sala da casa antiga, em companhia de suas 983 cartas- as recebidas e as nunca enviadas , 436 sapatos de cor forte e 1239 filmes com cenas de despedida e beijos na chuva. 
Suas coisas ficam devidamente embrulhadas e organizadas em caixas com nomes de momentos. 
Sim, ela dá nome para seus momentos ou apropria-se de nomes de música– como por exemplo – Self portrait in 3 colours , composta por um grupo de jovens franceses de Toulouse.
A primeira coisa que viu, na nova cidade , foram as unhas sujas do marinheiro que a recebeu gentilmente, e logo após afirmou para si , que era  preciso, muito preciso, ficar fechada para balanço .
Fechar-se é algo da natureza das coisas decididas racionalmente? 
Ela não sabe a resposta para sua pergunta e por isso acredita ser mais útil contemplar as ruínas do moinho desativado.
Na bolsa de festa que herdou de sua mãe, ela carrega um papel dobrado em 6, onde está escrito a lápis :
"Nunca fui solitária , nem quando estive sozinha , nem acompanhada, mas eu teria gostado de estar solitária. Solidão significa o seguinte : finalmente estou inteira. Hoje sonhei com um estranho . Era meu homem. Só com ele eu poderia ser solitária, me abrir totalmente e recebê-lo como um ser inteiro."


É um filme do Win Wenders, que ela acha "tão bonito".

Algumas tardes ela dedica a ouvir uma única composição feita por um amor antigo, que ela descreve como inútil. Escuta com fone de ouvido, para senti-lo mais próximo, sem que ele nunca saiba.
Inutilidades, para a moça ainda jovem, trazem grandes apontamentos para a vida.
Novna chama de despedida de si , as pequenas matanças que anda fazendo em seu cotidiano. 
A cada morte diária, junta uma pequena porção de terra ou areia, dentro de uma maleta, que comprou de um ilusionista. 
Um dia, perguntou para esse antigo amor , quais eram suas pequenas mortes cotidianas e ele disse que não as tinha - ele nunca havia  morrido - um dia sequer. Nesse dia ela deixou de amá-lo.
Talvez, seja também por isso que ela tenha chegado esta manhã a Dubrovnik. Talvez, seja também por isso que Jadranka será sua nova amiga.
Novna quer, com força, começar a surpreender-se com a própria existência, mesmo sendo exaustivamente ela mesma. 


desenhos em papel jornal
e carvão by menina sem século.








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